A Liturgia da Palavra deste 11º Domingo Comum tem no Evangelho de Lucas 7, 36 – 8, 3 a sua centralidade. Jesus se encontra na casa de um fariseu, pois foi convidado para uma refeição. Os fariseus são conhecidos como os principais perseguidores de Jesus. A palavra e a ação deste incomodavam aqueles. Mesmo assim, Jesus aceita o convite e sem medo vai sentar à mesa com seus opositores. Diante da notícia de que Jesus estava na casa do fariseu, uma mulher mal afamada, conhecida publicamente como pecadora, vai ao seu encontro.
A mulher pecadora lavou os pés de Jesus com lágrimas, pois chorava; enxugou-os com os cabelos, beijo-os e os ungiu com perfume. É de se imaginar o escândalo deste gesto: uma mulher pecadora fazer tudo isto com Jesus, reconhecido como profeta. Na mentalidade dos fariseus, se Jesus fosse realmente um profeta, ele saberia quem era a mulher e não permitiria tal gesto, dada a impureza da mesma. No tempo de Jesus, os pecadores públicos eram como que intocáveis, estar com eles era motivo de escândalo e confusão. Jesus, com sua palavra e ação rompe com esta triste e excludente mentalidade.
O que estava por trás da exclusão religiosa e social praticadas pelos fariseus era a lei da pureza condenada por São Paulo na segunda leitura da Liturgia deste Domingo (cf. Gl 2, 16. 19 – 21). Os fariseus pensavam que eram justificados por observarem a Lei de Moisés. O gesto da mulher pecadora foi uma boa oportunidade para Jesus mostrar claramente que ninguém será justiçado pela prática da Lei. O que justifica a pessoa diante de Deus? O próprio Jesus responde: “... porque ela mostrou muito amor”. É o amor que nos torna justos diante de Deus. Pelo amor somos santificados e salvos.
Ninguém se santifica por ser fiel à Lei. Nenhuma Lei pode santificar e salvar a pessoa. A santidade consiste na prática gratuita do amor fraterno. É no amor ao próximo que amamos a Deus e Deus nos ama no próximo a quem amamos. É a dialética do amor. Este tem o poder de nos libertar de nossos muitos pecados. A mulher pecadora teve seus pecados perdoados porque mostrou muito amor. Em outra ocasião, a Escritura ensina: “Sobretudo, conservem entre vocês um grande amor, porque o amor cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4, 8).
Lucas é o evangelista que mais cita as mulheres. Estas têm lugar especial em seu evangelho. No final da citação evangélica deste Domingo, ele cita outras mulheres que se tornaram discípulas de Jesus. Por isso, cai por terra a mentira machista de que no grupo de Jesus não havia mulheres. Mulheres e homens seguiam Jesus. Os evangelhos revelam que Jesus tinha predileção pelas minorias de seu tempo, minorias denominadas pecadoras. Em outra ocasião Jesus afirma que não veio para os justos, mas para os pecadores (cf. Mt 9, 13). A sua opção é pelos pecadores e pelos empobrecidos.
Estes pecadores públicos continuam existindo: prostitutas, ladrões, homossexuais, alcoólatras etc. Na categoria dos ladrões precisamos excluir os políticos e muitos ricos, pois estes não se enquadram nas minorias de nossos dias. Quando cito os ladrões refiro-me aqueles que, muitas vezes, mexem no alheio para sobreviver. A mesma observação se enquadra às demais categorias citadas. Geralmente, os marginalizados são considerados pecadores públicos. Jesus veio para eles, pois também fazem parte do povo de Deus. Os marginalizados são povo de Deus. Este é um povo santo e pecador.
Na América Latina e Caribe, a Igreja fez, documentalmente, a famosa opção preferencial pelos pobres. Falo documentalmente porque tal opção ainda não é plena. Há fortes resistências por parte de muita gente na Igreja, mas é verdade que há muita gente vivendo esta opção, que é a opção de Jesus. A teologia e a espiritualidade da opção preferencial pelos pobres revelam que nos pobres encontramos Jesus (cf. Mt 25, 31 – 46). Trata-se de uma opção evangélica, que está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9) (Discurso Inaugural do Papa Bento XVI na V CELAM, Aparecida, SP).
A opção preferencial pelos pobres levará a Igreja ao estado de perfeição exigido por Jesus. Radicalmente, ao fazer tal opção, a Igreja se colocará de uma vez por todas no caminho de Jesus. Trata-se de uma opção que conduz ao despojamento, à simplicidade, à humildade e à abertura para o mundo. A Igreja precisa ter em si mesma tais posturas, pois é nesta opção que se constrói uma Igreja melhor. A atitude da Igreja em relação aos pecadores deve ser a de Jesus: atitude de acolhimento. Este passa pela abertura e pela misericórdia. Uma Igreja que julga e condena as pessoas é farisaica e intragável. Ninguém suporta julgamentos e condenações.
Jesus tinha toda a autoridade para condenar a mulher pecadora, mas não o fez. Não o fez porque não foi enviado para julgar e condenar o mundo, mas para salvá-lo (cf. Jo 6, 39). Ninguém neste mundo recebeu de Deus o poder e/ou autoridade para julgar e condenar as pessoas, por mais pecadoras que elas sejam. Desta forma, podemos afirmar com plena razão que a Igreja não tem autoridade para julgar e condenar a conduta nem a vida de quem quer que seja. A Igreja não nasceu para condenar, mas para anunciar a Boa Nova. Esta não é um conjunto de leis que serve para julgar e condenar, mas é a verdade que liberta e salva o mundo. Quem ousar condenar será condenado (cf. Mt 7, 1 – 2). Esta sentença vale para cada cristão em particular e para a Igreja na sua relação com o mundo.
O texto evangélico deste Domingo revela, ainda, que Jesus não está interessado nos pecados das pessoas. Jesus revela o Deus que age misericordiosamente na libertação integral da pessoa, humanizando-a. O Deus de Jesus não é vingativo nem rancoroso, mas bom e misericordioso. Quem pensar que Deus se aproveita das fraquezas humanas para castigar impiedosamente, não conhece a Deus. Deus é amor, nele não há ódio nem rancor. Ai de nós se Deus não fosse amoroso e misericordioso! Por isso, para alcançarmos a misericórdia divina sejamos, pois, misericordiosos para com o próximo, nosso irmão em Cristo.
O amor se traduz nos gestos de misericórdia. A pessoa que aprendeu a amar verdadeiramente pratica a misericórdia para com seu próximo. Esta é a chave de leitura do texto evangélico que a liturgia nos propõe neste Domingo. Imploremos ao Espírito do Senhor, a fim de que nos ensine a sermos misericordiosos, principalmente com aquelas pessoas que não o são conosco. E que o Amor seja tudo em todos.
Tiago de França
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